27.11.18

MARCELO VARGAS VENCE O DEBATE E CONVOCA ELEITORES DO FLAMENGO PARA O LANÇAMENTO DO ‘PDG' HOJE (27)

Em noite inspirada, o advogado Marcelo Vargas – representante da Chapa Branca para as eleições do Clube de Regatas do Flamengo – mostrou-se o mais preparado e deu o tom novamente no debate de ontem (26) na Rádio Globo, promovido em parceria com o site GloboEsporte.com.

“Hoje não é um dia feliz, porque mais um título se foi. É o segundo vice-campeonato nesse ano. Isso não é um fato isolado, é uma linha condutora que vem desde 2013. É um erro de gestão do Flamengo. Eles não sabem o que é gerir o Flamengo. Estão lá há seis anos e não trouxeram nada de novo”, Marcelo Vargas (Fotos: Daniel Mazola)
Assim como aconteceu dia 26 de outubro, no debate realizado pelos canais Blog Ser Flamengo e Coluna do Flamengo – estiveram frente a frente José Carlos ‘Peruano’, Ricardo Lomba, Rodolfo Landim e Marcelo Vargas. Acompanhado de Mauro Serra (candidato a vice) e Guilherme Kroll, Vargas foi programático e enfático, suas propostas visam recolocar o Flamengo no caminho dos títulos. Sempre pensando no sócio-proprietário e no Flamengo popular, ele voltou a destacar suas principais diretrizes para dirigir o Clube:

Os cabeças de chapa, Marcelo Vargas e Mauro Serra
Auditoria completa dos últimos 6 anos feita por técnicos do BC; Reativar e revitalizar espaços e parques esportivos da Gávea; Reeleição somente com a conquista da Taça Libertadores da América; Estádio para 25 mil pessoas na Gávea; Isonomia garantida para os sócios-proprietários; Prioridade de aquisição de ingressos para o sócio-proprietário; Mudança nos critérios de fidelização do sócio-torcedor; Mínimo orçamentário do Clube para sustentar os esportes olímpicos; Projeto Paralímpico e de acessibilidade, transformando o Flamengo em referência no segmento; Limitação e blindagem das divisões de base; FLA TV cobrindo todas as modalidades esportivas e realizando transmissões ao vivo em parceria com canais alternativos.

Os candidatos Marcelo Vargas e Rodolfo Landim
Ao falar sobre mais uma perda no campeonato brasileiro, olhando para as duas faces da mesma moeda (Lomba e Landim), Vargas disse que “Hoje não é um dia feliz, porque mais um título se foi. É o segundo vice-campeonato nesse ano. Isso não é um fato isolado, é uma linha condutora que vem desde 2013. É um erro de gestão do Flamengo. Eles não sabem o que é gerir o Flamengo. Estão lá há seis anos e não trouxeram nada de novo”.

O jornalista Marcelo Barreto comandou o debate, que teve as presenças dos repórteres Raphael Zarko (Grupo Globo), Eric Faria (Grupo Globo), Amanda Kestelman (Grupo Globo), Gustavo Henrique (Rádio Globo) e Diogo Dantas (Jornal o Globo). Sobre o que pensa em relação à política de contratações e treinador, Marcelo Vargas frisou:

Marcelo Vargas, Guilherme Kroll e o jornalista Marcelo Barreto
“Ninguém sabe quem são os profissionais que estão no centro de inteligência. O mercado do futebol é perverso. Se não lutarmos, vão levar os nossos craques e vamos ficar com jogadores 'idosos'. O nosso centro de inteligência é burro. Comigo na direção, as contratações vão ser de responsabilidade minha e do meu vice de futebol, Mauro Serra. Vamos ter transparência (...). Antes de definir o nome de um treinador, temos que definir primeiro o perfil. Estamos tendo reuniões com todos que serão do futebol para definir esse perfil rubro-negro. Não pode ser um técnico em começo de carreira e nem um técnico defasado. Quero um técnico que imponha respeito. Isso, com certeza o nosso técnico terá”.

Ao final do encontro, Marcelo Vargas convidou os sócios aptos a votar a comparecerem hoje (27) às 19h na AABB da Lagoa para o lançamento do Plano de Governo (PDG). E lembrou que dia 7, um dia antes da votação acontecerá o terceiro e ultimo debate, dessa vez às 12h30 no programa ‘Os Donos da Bola’, na TV BAND Rio. “Será a última oportunidade para os sócios compararem as propostas, O Flamengo merece muito mais, vote certo, vote Chapa Branca!”.

Saiba mais:

20.11.18

FRENTE AMPLA DE OPOSIÇÃO SURGE PARA RESGATAR A HISTÓRIA CAMPEÃ DO CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO

Guilherme Kroll, Marcelo Vargas, José Mário e Marion Kaplan organizam Movimento Oposicionista
Dia 8 tem eleição no Flamengo, o clube não aguenta mais um mandato do fraco grupo da situação, continuísmo significa mais humilhações, embustes e derrotas. O Flamengo é para quem entende de Flamengo, por isso foi criada uma 'Frente Ampla de Oposição' para resgatar a história campeã do Maior do Mundo.

Em reunião nesta segunda-feira (19) em um restaurante na zona sul do Rio, os abnegados sócios rubro-negros José Mário e Marion Kaplan se uniram ao advogado Marcelo Vargas (candidato a presidente pela Chapa Branca) e Guilherme Kroll - que se desvinculou do Macaé Esporte e foi anunciado como supervisor de futebol da Chapa Branca - para estruturar e potencializar o novo Movimento Oposicionista.

“Nosso clube não suporta mais 3 anos governado por um poste”, disse Kroll, “precisamos de pessoas comprometidas com o lema: ‘Nada do Flamengo. Tudo pelo Flamengo’. Todos os flamenguistas de oposição serão bem vindos, democraticamente, independente de onde estão posicionados”, frisou.

Para Vargas e Kroll a eleição no Flamengo já está definida. A oposição leva com mais de 80% dos votos. A dúvida da maioria dos votantes é sobre quem é oposição de fato. Landim, ex-presidente da BR Distribuidora e braço direito do empresário Eike Batista, que poucas vezes foi à Gávea... ou Marcelo Vargas - presidente do Copaleme, empreendedor, advogado articulado - que já nasceu respirando Flamengo?
Marcelo Vargas (centro), membros da Chapa e apoiadores em campanha na Gávea
“Frequentei a Gávea nesse feriadão e fiquei impressionado com a dissolução da Chapa da situação. Nem Bandeira de Mello, nem Lomba, estavam em campanha. Pouca gente defendendo uma candidatura notoriamente fraca. Rodolfo Landim está gastando milhões e recebendo o apoio da maioria dos anti-azuis. Todos sabem que serão desprezados pela arrogância empresarial desse grupo, mas não querem ver o Flamengo continuar como está. O grupo FLA-Tradição e Juventude é, disparado, o melhor para o Flamengo. Só que sabemos a necessidade de orçamento para vencer uma eleição. Mas pera aí, o Wilson Witzel ganhou sem dinheiro o governo do Rio de Janeiro! Então precisamos, urgente, de militantes que acreditem no nosso grupo. O Flamengo agradecerá!”, enfatiza Guilherme Kroll.

Segundo Marcelo Vargas, até o dia 8 a 'Frente Ampla de Oposição' que hoje reúne 3 grupos, terá a adesão de milhares de eleitores. “Convido a Nação Rubro-Negra e os sócios a assistir o debate do próximo dia 26 às 19h promovido pela Rádio Globo em parceria com Globo Esporte. Será uma ótima oportunidade para conhecer e comparar os projetos das Chapas. Nosso Flamengo merece muito mais!”.

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11.11.18

EUCLIDES DA CUNHA DENUNCIAVA A EXPLORAÇÃO HÁ MAIS DE CEM ANOS, HOJE QUEM DENUNCIARÁ O COISO?



O escritor e jornalista Euclides da Cunha presidiu uma Comissão Brasil-Peru para determinar as fronteiras entre esses países no início do século XX, nesse período ele conviveu com os seringueiros na recém implementada indústria da borracha. Esse convívio estarreceu o escritor e ficou bem claro em um trecho de seu relatório: "O rude seringueiro é duramente explorado, vivendo despeado do pedaço de terra em que pisa longos anos e exigindo, pela situação precária e instável, urgentes providências legislativas que lhe garantam melhores resultados a tão grandes esforços. O afastamento em que jaz, agravado pela carência de comunicações, reduz-lo, nos pontos mais remotos, a um quase servo, à mercê do império discricionário dos patrões. A justiça é naturalmente serôdia e nula. Mas todos esses males, que fora longo miudear, e que não velamos, provém, acima de tudo, do fato meramente físico da distância. Desaparecerão, desde que se incorpore a sociedade sequestrada ao resto do país...".

Tanto tempo depois e continuamos convivendo com a mesma exploração que transforma o trabalhador em um indivíduo sem consciência, péssimas relações de trabalho onde existem terceirizações, transportes inapropriados, assédios morais, desmonte da CLT e agora ainda mais perturbador: Bolsonaro eleito presidente da República.

No seu texto “Judas Ahsverus”, Euclides da Cunha analisa a vida do seringueiro e de sua "escravidão" as relacionando com a malhação do boneco de Judas num sábado de aleluia. Essa malhação que na real só esfola os trabalhadores, a partir de janeiro deverá atingir o ápice histórico no país, as posições do presidente eleito em matéria trabalhista representam uma continuidade da política adotada no desgoverno Temer que, em julho de 2017, aprovou uma antirreforma que restringe e retira direitos estabelecidos, fragiliza as instituições públicas que fiscalizam e garantem o cumprimento da lei, e reduz o papel dos sindicatos no processo de negociação coletiva.

O “projeto” apátrida-entreguista do coiso é fundamentado numa premissa clara, tirar a responsabilidade do Estado e sujeitar o indivíduo aos riscos e às incertezas do mercado. A primeira medida (leia-se malhação) será a extinção do Ministério do Trabalho. Quem nos salvará do coiso?

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JUDAS-AHSVERUS

Por Euclides da Cunha

No sábado de Aleluia os seringueiros do Alto Purus desforram-se de seus dias tristes. É um desafogo. Ante a concepção rudimentar da vida santificam-se-lhes, nesse dia, todas as maldades. Acreditam numa sanção litúrgica aos máximos deslizes.


Nas alturas, o Homem-Deus, sob o encanto da vinda do filho ressurreto e despeado das ínsidias humanas, sorri, complacentemente, à alegria feroz que arrebenta cá em baixo. E os seringueiros vingam-se, ruidosamente, dos seus dias tristes.

Não tiveram missas solenes, nem procissões luxuosas, nem lava-pés tocantes, nem pré dicas comovidas. Toda a Semana Santa correu-lhes na mesmice torturante daquela existência imóvel, feita de idênticos dias de penúrias, de meios-jejuns permanentes, de tristezas e de pesares, que lhes parecem uma interminável sexta-feira da Paixão, a estirar-se, angustiosamente, indefinida, pelo ano todo afora.

Alguns recordam que nas paragens nativas, durante aquela quadra fúnebre, se retraem todas as atividades – despovoando-se as ruas, paralizando-se os negócios, ermanando-se os caminhos – e que as luzes agonizam nos círios bruxolentes, e as vozes se amortecem nas rezas e nos retiros, caindo um grande silêncio misterioso sobre as cidades, as vilas e os sertões profundos onde as gentes entristecidas se associam à mágoa prodigiosa de Deus. E consideram, absortos, que esses sete dias excepcionais, passageiros em toda a parte e em toda a parte adrede estabelecidos a maior realce dos outros dias mais numerosos, de felicidade – lhes são, ali, a existência inteira, monótona, obscura, doloríssima e anônima, a girar acabrunhadamente  na vida dolorosa e inalterável, sem princípio e sem fim, do círculo fechado das "estradas". Então pelas almas simples entra-lhes, obscurecendo as miragens mais deslumbrantes da fé, a sombra espessa de um conceito singularmente pessimista da vida: certo, o redentor universal não os redimiu; esqueceu-os para sempre, ou não os viu talvez, tão relegados se acham à borda do rio solitário, que no próprio volver das suas águas é o primeiro a fugir, eternamente, àqueles tristes e desfreqüentados rincões.

Mas não se rebelam, ou blasfemam. O seringueiro rude, ao revés do italiano artista, não abusa da bondade de seu deus desmanchando-se em convícios. É mais forte; é mais digno. Resignou-se à desdita. Não murmura. Não reza. As preces ansiosas sobem por vezes ao céu, levando disfarçadamente o travo de um ressentimento contra a divindade; e ele não se queixa. Tem a noção prática, tangível, sem raciocínios, sem diluições metafísicas, maiça e inexorável – um grande peso a esmagar-lhe inteiramente a vida – da fatalidade; e submete-se a ela sem subterfugir na covardia de um pedido, com os joelhos dobrados. Seria um esforço inútil. Domina-lhe o critério rudimentar uma convicção talvez demasiado objetiva, ou ingênua, mas irredutível, a entra-lhe a todo o instante pelos olhos adentro, assombrando-o: é um excomungado pela própria distância que o afasta dos homens; e os grandes olhos de Deus não podem descer até aqueles brejais, manchando-se. Não lhe vale a pena penitenciar-se, o que é um meio cauteloso de rebelar-se, reclamando uma promoção na escala indefinida de bem-aventurança. Há concorrentes mais felizes, mais bem protegidos, mais numerosos, e, o que se lhes figura mais eficaz, mais vistos, nas capelas, nas igrejas, nas catedrais, e nas cidades ricas onde se estadeia o fausto do sofrimento uniformizado de preto, ou fugindo na irradiação de lágrimas, e galhardeando tristezas…

Ali, - é seguir, impassível – e mudo, estoicamente, no grande isolamento da sua desventura.

Além disto, só lhe é lícito punir-se da ambição maldita que o conduziu àqueles lugares para entregá-lo, manietado e escravo, aos traficantes impunes que o iludem, e esse pecado é o seu próprio castigo, transmudando-lhe a vida numa interminável penitência. O que lhes resta a fazer é desvendá-la e arrancá-la da penumbra das matas, mostrando-a, nuamente, na sua forma apavorante, à humanidade longínqua…

***

Ora, para isso, a igreja dá-lhe um emissário sinistro: Judas; e um único dia feliz: o sábado prefixo aos mais santos atentados, às balbúrdias confessáveis, à turbulência mística dos eleitos e à divinização da vingança.

Mas o monstrengo de palha, trivialíssimo, de todos os lugares e de todos os tempos, não lhes basta à missão complexa e grave. Vem batido de mais pelos séculos e fora tão pisoado, tão decaído e tão apedrejado que se tornou vulgar na sua infinita miséria, monopolizando o ódio universal e apequeando-se, mais e mais, diante de tantos que o malquerem.

Faz-se-lhe mister, ao menos acentuar-lhe as linhas mais vivas e cruéis; e mascarar-lhe no rosto de pano, e laivos de carvão, uma tortura tão trágica, e em tanta maneira próxima da realidade, que o eterno condenado pareça ressuscitar ao mesmo tempo que a sua divina vítima, de modo a desafiar uma repulsa mais espontânea e um mais compreensível revide, satisfazendo à saciedade as almas ressentidas dos crentes, com a imagem tanto quanto possível perfeita da sua miséria e das suas agonias terríveis.

E o seringueiro abalança-se a esse prodígio de estatuaria, auxiliado pelos filhos pequeninos, que deliram, ruidosos, em risadas, a correrem por toda a banda, em busca das palhas esparsas e da farragem repulsiva de velhas roupas imprestáveis, encantados com a tarefa funambulesca, que lhe quebra tão de golpe a monotonia tristonha de uma existência invariável e quieta.

O judas faz-se como se fez sempre: um par de calças e uma camisa velha, grosseiramente cozidos, cheios de palhiças e mulambos; braços horizontais, abertos, e pernas em ângulo, sem juntas, sem relevos, sem dobras, aprumando-se, espantadamente, empalado, no centro do terreiro. Por cima uma bola desgraciosa representando a cabeça. É o manequim vulgar, que surge em toda a parte e satisfaz à maioria das gentes. Não basta ao seringueiro. É-lhe apenas o bloco de onde vai tirar a estátua, que, é a sua obra prima, a criação espantosa do seu gênio longamente espalhado de revezes, onde outros talvez distinguam traços admiráveis de uma ironia subutilíssima, mas que é para ele apenas a expressão concreta de uma realidade dolorosa.

E principia, às voltas com a figura disforme: salienta-lhe e afeiçoa-lhe o nariz; reprofunda-lhe as órbitas; esbate-lhe a fronte; acentua-lhe os zigomas; e aguça-se o queixo, numa massagem cuidadosa e lenta; pinta-lhe as sombrancelhas, e abre-lhe com dois riscos demorados, pacientemente, os olhos, em geral tristes e cheios de um olhar misterioso; desenha-lhe a boca, sombreada de um bigode ralo, de guias decaídas aos cantos. Veste-lhe depois, umas calças e uma camisa de algodão, ainda servíveis; calça-lhe umas botas velhas, cambadas…

Recua meia dúzia de passos. Contempla-a durante alguns minutos. Estuda-a.

Em torno a filharada, silenciosa agora, queda-seespectante, assistindo ao desdobrar da concepção, que a maravilha.

Volve ao seu homúnculo: retoca-lhe uma pálpebra; aviva um ritus expressivo na arqueadura do lábio; sombreia-lhe um pouco mais o rosto, cavando-o; ajeita-lhe melhor a cabeça; arqueia-lhe os braços; repuxa e retifica-lhe as vestes…

Novo recuo, compassado, lento, remirando-o, para apanhar de um lance, numa vista de conjunto, a impressão exata, a síntese de todas aquelas linhas; a renovar a faina com uma pertinácia e uma tortura de artista incontentável. Novos retoques, mais delicados, mais cuidadosos, mais sérios: um tenuíssimo esbatido de sombra, um traço quase imperceptível na boca refegada, uma torção insignificante no pescoço engravatado de trapos…

E o mostro, lento e lento, num transfigurar-se insensível, vai-se tornando em homem. Pelo menos a ilusão é empolgante…

Repentinamente o bronco estatuário tem um gesto mais comovedor do que o Parla ansiosíssimo, de Miguel Ângelo; arranca o seu próprio sombreiro; atira-o à cabeça de Judas; e os filhinhos todos recuam, num grito, vendo retratar-se na figura desengonçada e sinistra o vulto do seu próprio pai.

É um doloroso triunfo. O sertanejo esculpiu o maldito à sua imagem. Vinga-se de si mesmo: pune-se afinal, da ambição maldita que o levou àquela terra; e defronta-se da fraqueza moral que lhe parte os ímpetos da rebeldia recalcando-o cada vez mais do plano inferior da vida decaída onde a credulidade infantil o jungiu, escravo, à gleba empantanada dos traficantes, que o iludiram.

Isto, porém, não lhe satisfaz. A imagem material da sua desdita não deve permanecer inútil num exíguo terreiro de barraca, afogada na espessura impenetrável, que furta o quadro de suas mágoas, perpetuamente anônimas, aos próprios olhos de Deus. O rio que lhe passa à porta é uma estrada para toda a terra. Que a terra toda contempla o seu infortúnio, o seu exaspero cruciante, a sua desvalia, o seu aniquilamento iníquo, esteriorizados, golpeantemente, e propalados por um estranho e mudo pregoeiro…

Em baixo, a rede construída, desde a véspera, vê-se uma jangada de quatro paus boiantes, rijamente travejados. Aguarda o viajante macabro. Condu-lo, prestes, para lá, arrastando-o em descida, pelo viés dos barrancos avergoados de enxurros.

A breve tracho a figura demoníaca apruma-se, especada, à popa da embarcação ligeira.

Faz-lhe os últimos reparos: arranja-lhe ainda uma vez as vestes; arruma-lhes às costas um saco cheio de ciscalho e pedras; mete-lhe à cintura alguma inútil pistola enferrujada, sem fechos, ou um caxenrenguengue gasto; e fazendo-lhes curiosas recomendações, ou dando-lhe os mais singulares conselhos, impele, ao cabo, a jangada fantástica para o fio da corrente.

E judas feito Ahsverus vai avançando vagarosamente para o meio do rio. Então os vizinhos mais próximos, que se adensam, curiosos, no alto das barrancas, intervêm ruidosamente, saudando com repetidas descargas de rifles, aquele botafora. As balas chofram a superfície líquida, erriçando-a; cravam-se na embarcação, lascando-a; atingem o tripulante espantoso; trespassam-no. Ele vacila um momento no seu pedestal flutuante, fustigado a tiros, indeciso, como a esmar um rumo, durante alguns minutos, até se reaviar no sentido geral da correnteza. E a figura desgraciosa, trágica, arrepiadoramente burlesca, com os seus gestos desmanchados, de demônio e truão, desafiando maldições e risadas, lá se vai na lúgubre viagem sem destino e sem fim, a descer, a descer sempre, desequilibradamente, aos rodopios, tonteando em todas as voltas, à mercê das correntezas, "bubuia" sobre as grandes águas.

Não para mais. A medida que avança, o espantalho errante vai espalhando em roda a desolação e o terror; as aves, retranzidas de medo, acolhem-se, mudas, ao recesso das frondes; os pesados anfíbios mergulham, cautos, nas profunduras, espavoridos por aquela sombra que ao cair das tardes e ao subir das manhãs se desata estirando-se, lutuosamente, pela superfície do rio; os homens correm às armas e numa fúria recortada de espantos, fazendo o "pelo sinal" e apertando os gatilhos, alvejam-no desapiedadamente.

Não defronta a mais pobre barraca sem receber uma descarga rolante e um apedrejamento.

As balas esfuziam-lhe em torno; varam-no; as águas, zimbradas pelas pedras, encrespam-se em círculos ondeantes; a jangada balança; e, acompanhando-lhe os movimentos, agitam-se-lhe os braços e ele parece agradecer em nanhestras mesuras as manifestações rancorosas em que tempesteiam tiros, e gritos, sarcasmos pungentes e esconjuros e sobretudo maldições que revivem, na palavra descansada dos matutos, este eco de um anátema vibrado há vinte séculos.

– Caminha, desgraçado!

Caminha. Não pára. Afasta-se no volver das águas. Livra-se dos perseguidores. Desliza, em silêncio, por um estirão retilíneo e longo; contorneia a arqueadura suavíssima de uma praia deserta. De súbito, no vencer uma volta, outra habitação; mulheres e crianças, que ele surpreende à beira rio, a subirem, desabaladamente, pela barranca acima, desandando em prantos e clamor. E logo depois, do alto, o espingardeamento, as pedradas, os convícios, os remoques.

Dois ou três minutos de alaridos e tumulto, até que o judeu errante se forre ao alcance máximo da trajetória dos rifles, descendo…

E vai descendo, descendo… Por fim não segue mais isolado. Aliam-se-lhe na estrada dolorosa outros sócios do infortúnio; outros aleijões apavorantes sobre as mesmas jangadas diminutas entregues ao acaso das correntes, surgindo de todos os lados, vários no aspecto e nos gestos; ora muito rijos, amarrados aos postes que os sustentam, ora em desengonços, desequilibrando-se aos menores balanços, atrapalhadamente, como ébrios; ou fatídicos, braços alçados, ameaçadores, amaldiçoando; outros humílissimos, acurvados num acabrunhamento profundo; e por vezes, mais deploráveis, os que se diviam à ponta de uma corda amarrada no extremo do mastro esguio e recurvo, a balouçarem, enforcados…

Passam todos aos pares, ou em filas, descendo, descendo vagarosamente…

Às vezes o rio alarga-se num imenso círculo; remansa-se; a sua corrente torce-se e vai em giros muito lentos perlogando as margens, traçando a espiral amplíssima de um redemoinho imperceptível e traiçoeiro. Os fantasmas vagabundos penetram nestes amplos recintos de águas mortas, rebalsadas; e estacam por momentos. Ajuntam-se. Rodeiam-se em lentas e silenciosas revistas. Misturam-se. Cruzam então pela primeira vez os olhares imóveis e falsos de seus olhos fingidos; e baralham-se-lhes numa agitação revolta os gestos paralisados e as estátuas rígidas. Há a ilusão de um estupendo tumulto sem ruídos e de um estranho conliábulo, agitadíssimo, travando-se em segredos, num abafamento de vozes inaudíveis.

Depois, a pouco e pouco, debandam. Afastam-se; dispersam-se. E acompanhando a correnteza, que se retifica na última espiral dos remansos – lá se vão, em filas, um a um, vagarosamente, processionalmente, rio abaixo, descendo…



(Euclides da Cunha. À margem da história. Porto, Livraria Lelo e Irmão, editores, 1946, p.85-94. In MELO, Anísio. Estórias e lendas da Amazônia)